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Público presente nas exibições do Circuito. Foto: Kamylla Feitosa

Em “Avalanche”, do diretor alagoano Leandro Alves, que venceu a Mostra Competitiva na categoria “jurí popular”, a rotina de uma família do agreste alagoano após um incidente foi construída muito delicadamente. Já em “O Canto das Pedras”, da diretora Tatiana Cantalejo, que venceu na categoria “Júri Oficial”, um garoto com Transtorno de Espectro Autista (TEA) é o protagonista da produção. Na tela, o público pode acompanhar as transformações micro e macro que a doença causou em toda a família.

Ao mesmo tempo em que filmes como os citados acima se parecem por dividir uma temática central, eles também acabam sendo completamente diferentes. Únicos.

Para o estudante Janderson Felipe, 23, o que mais impressiona em todas essas obras é a riqueza de conflitos diferentes existentes em cada lar, em cada construção familiar. “A família se apresenta como o primeiro braço opressor sobre aqueles que estão situados a margem. A discussão parece vir como vazão de um momento político onde os debates sobre as relações familiares está em alta”, conta

Filmes premiados, da esquerda para a direita: Avalanche, O Canto das Pedras. Foto: Divulgação

      O que é família? Como pode e deve ser composta uma? A família tradicional brasileira é a legítima? Perguntas como essa foram debatidas em vários filmes, ditas e perpetuadas na telona. Diversas respostas foram encontradas nos filmes do 11º Festival do Cinema Brasileiro de Penedo, no 8º Festival de Cinema Universitário de Alagoas e na 5ª Mostra Velho Chico de Cinema Ambiental.

      A comissão organizadora ressalta que durante os sete dias de evento não faltaram espaços para a troca de ideias e pontos de vistas sobre cinema. Nos três turnos, a Sala de Exibições, por exemplo, recebeu diversas atividades propícias para isso. “Foi um espaço com capacidade para 500 pessoas montado na Praça 12 de Abril, no Centro Histórico de Penedo. Um ponto de encontro super movimentado.”

      Apesar de não estar em destaque na Mostra Velho Chico Ambiental - braço do circuito voltado para o Meio Ambiente, a temática relações familiares ainda foi vista em alguns filmes. Segundo a professora de Psicologia da Universidade Federal de Sergipe, Rosangela Rocha, que fez parte da Comissão Julgadora pela primeira vez, a mostra trouxe a opressão social e o desleixo com as vidas num primeiro plano, tendo a cultura tradicional das mulheres em sua sabedoria familiar com a terra em um segundo plano. “A importância da preservação dos recursos naturais para manutenção da sociedade e o respeito ao ser humano, à Natureza, foi a principal pauta. Vi filmes que resgataram o valor da liberdade, sabedoria e cidadania”, avaliou. Pontos-chave esses que são imprescindíveis para a resolução dos problemas encontrados numa família. Pontos-chave esses que estiveram ausentes em algumas produções que quiseram, justamente, chamar atenção para a falta de diálogo, empatia e amor em algumas famílias.

      O público presente fez questão de participar de toda a programação montada pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), o Instituto de Estudos Culturais, Políticos e Sociais do Homem Contemporâneo (IECPS) e o Governo de Alagoas, com apoio da Prefeitura de Penedo, Sebrae e Fapeal - responsáveis pela realização do Circuito Penedo de Cinema. “Surpreendeu-me o interesse da população em querer fazer parte do processo. O público da cidade, prestigiou o festival como um todo. O comprometimento de todos os envolvidos é plausível. Adorei tudo!”, diz Rosangela.

Circuito penedo de cinema

As relações parentais encontradas nos filmes da edição de 2018 do principal circuito de cinema de Alagoas

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CINEMA EM FAMÍLIA

      A pequena Penedo, à 166 km da capital alagoana, esteve movimentada nesse início de dezembro. As ruas históricas da cidade, a maioria delas desembocando no rio São Francisco, foram tomadas por gente que respira arte. Gente que ainda sente um prazer genuíno em estar frente à telona mergulhando em realidades diferentes a partir da sétima arte. Entre os dias 26 de novembro e 2 de dezembro, mais de 10 mil pessoas estiveram presentes no Circuito Penedo de Cinema - que em sua 15ª edição bateu recorde de inscritos com 497 filmes em suas mostras. Entre histórias de amor e crises ambientais, boa parte dos filmes exibidos apresentaram um denominador comum: relações familiares.

      Foram 52 filmes de curtas-metragens de todo o país competindo nesta edição. Além das mostras competitivas, a organização do evento afirma que foram exibidos 18 títulos infantis e 5 longas-metragens nacionais. Nesse universo de enredos e discussões, não passou despercebido que problemas pessoais e de relacionamento dentro do âmbito familiar foram retratados em diversas facetas. Não importa se você é do sudeste ou do extremo norte do Brasil, há dores, medos e situações comuns que atingem qualquer indivíduo membro de uma família. A pluralidade da temática nas películas chamou atenção de um público atento que chorou, sorriu e se identificou.

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REPRESENTAÇÕES DO AGRESTE ALAGOANO 

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      O representante Alagoano no 11º Festival do Cinema Brasileiro, foi o filme “Avalanche”, dirigido e estrelado por alagoanos, e para os alagoanos, como o diretor, Leandro Alves contou: “Avalanche fala sobre o interior, sobre o meu lugar, Arapiraca, que como a muita gente diz, é a metrópole do futuro, e mesmo assim, é um lugar onde essa realidade ainda é bastante presente.” explicou.

      A realidade apontada, vem por meio da representação de uma certa perca de tradições, sobre o novo, sobre descobertas na vida de um jovem, e sobre uma constante na cena audiovisual, que são os conflitos familiares e suas derivações. O roteiro ilustra um núcleo familiar tido como “tradicional”, com um pai conservador, uma mãe submissa, e um filho em constante transformação. O curta traz uma problemática idealizada a anos atrás, pelo diretor, mas que se fez atual, dado ao contexto sociopolítico do Brasil, pois aborda tanto as consequências da “justiça com as próprias mãos”, como também a questão do armamento, assunto que vem ganhando visibilidade desde início do período eleitoral deste ano. 

      O carater sociológico das obras, são fortes, e contextualizadores, como explicou, a Cientista Social, Amanada Balbino "A família sempre foi um eixo basilar do termômetro das transformações sociais, de transformações relacionais, se paramos um pouco e pensarmos: “Em que espaço os indivíduos apreender e modificam  e expõem a conflitualidade das percepções culturais? das percepções geracionais?", já dizia Durkheim, que a família é a primeira instituição na qual os indivíduos são inseridos ao meio social, as formas de relacionamento e convívio, individuais e coletivos são dualidades reflexivas, do interior familiar mas também do exterior, e um exemplo claro de fato é a chamada “anomia”, conceito criado por Durkheim para explicar a frouxidão dos laços e da atuação das instituições sobre os indivíduos. Os casos de violência sexual, doméstica, as percepções de insegurança coletiva  assim como conflitualidade da lógica do cuidado, perpassam as estruturas institucionais, formulam conceituações, modelam e modificam relacionais sociais. Agentes e atores são personagem teóricos, para a sociologia e para as ciências sociais. Só analisando o comportamento, ou melhor a atuação de ambos é que se torna possível apreender uma parcela significativa da realidade." contextualizou. 

      No caso de "Avalanche", as narrativa permeia estas questões, e diversas outras, que o diretor cita no Making Off do filme:

     

Ainda que a temática não tenha sido propositalmente direcionada, a proximidade com a realidade humana, foi um fato capaz de despertar a empatia do público, que elegeu “Avalanche” como o melhor filme, da Mostra Competitiva na categoria “Júri Popular”.

Questionado sobre a atualidade do tema, Leandro reafirmou: “Apesar da ideia ter surgido a um certo tempo, e se tratar de uma representação, muitas pessoas vem me perguntar se a história se baseia em fatos reais, e ainda relatam casos semelhantes, principalmente aqui no Nordeste, onde essa questão do armamento é muito forte, e faz parte do nosso cotidiano a muito tempo.” ressaltou.

      A premiação foi um sintoma da maneira como o as produções audiovisuais podem não só ilustrar situações distantes, como pode documentar e registrar desde as temáticas mais ordinárias, até as questões mais problemáticas e complexas de se discutir. A psicóloga Lourdes Moreira, “Ao longo dos meus 25 anos de pesquisa e aplicação de métodos de inclusão, pude exercitar diversos meios didáticos, dentre eles, um dos mais promissores, é o cinema, que além de entreter, tem o poder de ensinar e nos transportar para as mais diversas realidades, tanto de uma pessoa portadora de alguma deficiência intelectual, como a de um reeducando.”

      O filme de Leandro, vem colhendo frutos de suas representações, e além disso, tem sido instrumento para dar voz àqueles que não tem espaço. “Dos festivais que eu já participei, pude notar a constante de filmes que retratam além dessas questões (conflitos familiares), a problemática das opressões as minorias, etc. Então eu acredito sim que o cinema Brasileiro é símbolo de resistência. E já vem sendo, desde o Cinema Novo, que trouxe um caráter político bem forte.” finalizou.

       Além do Circuito Penedo, “Avalanche”, já participou de 12 festivais pelo país, sendo premiado sete vezes, em categorias diversas envolvendo a produção.

O CANTO QUE TE QUERO CANTAR:

quando a voz em primeira pessoa toma lugar na sétima arte

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É comum encontrarmos documentários em que a interferência do diretor do filme não seja cortada na edição. Ao assistirmos esse tipo de produção, é habitual vê-los em cena, seja com sua imagem, ou até com sua voz. Eduardo Coutinho, considerado um dos maiores documentaristas do Brasil, executava isso de forma natural e fruitiva em suas obras. Porém, muito além do que apenas entrar em quadro, têm sido percebido entre os espectadores e apreciadores do cinema a pessoalidade encontrada nas narrativas dos longas e curtas nacionais. Cada vez mais, os diretores e produtores estão contando suas próprias histórias, expressando seus anseios e falando sobre sua realidade.

Com essa proposta mais pessoal e poética, o documentário “Elena” de Petra Costa, conquistou o público e foi aclamado pela crítica. O filme é baseado na vida de Elena Andrade, irmã mais velha da diretora Petra Costa, e aborda temas ligados à maternidade e família, dor e superação. Com mais de 57 mil espectadores, “Elena” foi o documentário mais visto do Brasil em 2013, segundo a Agência Nacional do Cinema (Ancine), um marco para o gênero.

Vencedora da mostra competitiva do 11º Festival do Cinema Brasileiro, na categoria “Júri Oficial”, com o documentário “O Canto das Pedras”, Tatiana Cantalejo acredita que o espaço comercial para esse tipo de trabalho ainda está em construção. Os títulos que entram em cartaz e lotam as salas de cinemas geralmente são os relacionados à cultura pop. No entanto, os filmes em primeira pessoa encontra nos festivais, um espaço para ser visto e aclamado. “Talvez esse movimento gere uma demanda”, diz Cantalejo, na esperança de que com uma ampla distribuição, haja espaço para todo tipo de filme.

Em “O Canto das Pedras”, filme que conquistou os jurados presentes no Circuito Penedo de Cinema 2018, a jovem mostra a rotina de sua família, trazendo como principal personagem, Pedro, irmão da diretora. “É tanto um filme que fala sobre Pedro, meu irmão, que é autista, quanto sobre Tatiana, a irmã que sou e que o filma desde antes de pensar em fazer graduação em cinema”, diz a diretora que enxerga nos filmes em primeira pessoa a possibilidade de trazer uma visão mais honesta e subjetiva. 

 

 

 

 

 

 

 

 

É a partir da inquietação quanto à formação da identidade humana, que surge em Cantalejo, a fixação pelo tema familiar e também, o anseio por documentar. Ela considera que conciliar os limites entre o papel de diretora e de irmã foi a principal dificuldade no processo de quase dois anos de produção do filme. A cineasta conta que precisou passar mais tempo fora do que dentro de casa para poder separar essas “duas pessoas”.

 

“Entrevistando pessoas, senti bastante desgaste mental. A sensação era a de que estava revisitando um lugar muito denso ao acessar as lembranças que as pessoas tinham de Pedro. Não foi um processo leve. Tive sorte que meus pais me ajudaram muito dando todo suporte durante a filmagem”, desabafa.

 

Ao expor a rotina de uma pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), a diretora usa as telonas para quebrar estereótipos, estendendo ao público a compreensão de que essas pessoas têm uma vida tão comum quanto as demais. Segundo a psicóloga Lourdes Moreira, esse tipo de abordagem é significativa para o entendimento da sociedade sobre temas dos quais não são tão elucidados. “Qualquer tipo de deficiência ou transtorno, trata-se de um assunto desconhecido para muitas pessoas, principalmente as mais carentes de recursos. Então, é necessário que este assunto seja registrado cada vez mais pelo cinema e trazido para o centro dos debates, porque muitas vezes, esta é a forma mais acessível de registrar e transmitir uma ideia ou situação”, salienta.

 

Para Tatiana Cantalejo, ganhar um prêmio como o Circuito Penedo de Cinema significa validar ainda mais a existência de pessoas como Pedro e de famílias como a dela. A grande adesão da crítica e do público responde que a mensagem principal, que a jovem almejava, foi passada com maestria. “Apesar das diferenças que eles possam ter conosco, há algo maior que nos une e isso tem somente um nome: afeto”, diz a cineasta.

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